Por Jow Oliveira
Praia Grande (SP)
O segundo e último dia do 10º Seminário do Servidor Público, promovido pela Força Sindical e pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), consolidou-se como espaço estratégico de reflexão e articulação diante dos desafios que ameaçam o serviço público brasileiro. Com o tema central “Os desafios da luta sindical diante da conjuntura atual”, o evento reuniu especialistas e lideranças em torno de debates sobre educação, direitos trabalhistas, segurança pública, negociação coletiva, democracia, Regime Jurídico Único (RJU) e os impactos da inteligência artificial no setor público.
A abertura dos trabalhos foi conduzida por Cristina Helena, Diretora de Assuntos da Área Municipal da CSPB e Secretária Nacional do Setor Público da Força Sindical. Em sua fala, enfatizou a relevância do encontro como momento de reconstrução da mobilização sindical após o isolamento provocado pela pandemia:
“Nós ficamos muito afastados desde a pandemia e este evento presencial representa uma superação desse triste período. Em dois dias conseguimos esgotar as inscrições deste Seminário. Nada substitui o olho no olho, o mão na mão, para organizarmos a luta contra os retrocessos e construirmos um novo modelo sindical”, destacou Cristina.
Segurança Pública: o impacto da decisão do STF sobre as Guardas Municipais
A especialista em segurança pública Ednúbia de Brito trouxe ao debate uma análise aprofundada sobre o papel estratégico das Guardas Municipais e o impacto das recentes decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconhecem sua atuação como parte integrante da segurança pública.
Ednúbia destacou que, embora o artigo 144 da Constituição Federal atribua a segurança pública aos entes estaduais, os municípios possuem autonomia para estruturar e manter Guardas Municipais, que hoje atuam de forma ostensiva e preventiva, indo muito além da proteção patrimonial.
“As Guardas Municipais já vão além da proteção de patrimônio, realizando patrulhamento, uso progressivo da força e, quando necessário, emprego de armas de fogo”, explicou a especialista.
A integração dessas corporações ao Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) reforça seu status como força de segurança, consolidando direitos e deveres que não podem ser ignorados pelos gestores municipais.
Ednúbia também fez um alerta firme: a contratação de Guardas Municipais deve ser feita exclusivamente por meio de concurso público, sendo vedadas contratações temporárias ou sem o devido processo legal. “Gestores não podem contratar Guardas sem concurso público ou de forma temporária, sob risco de infringir a Lei Federal, que prevalece sobre as demais”, afirmou.
Por fim, abordou a chamada PEC da Segurança, que inclui oficialmente as Guardas Municipais nas ações preventivas e ostensivas do sistema nacional. Com a aprovação da PEC, os municípios poderão acessar recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública, desde que cumpram os requisitos legais estabelecidos.
Regime Jurídico Único: conquistas ameaçadas
O advogado Luís Fernando Silva, ex-secretário do Ministério do Planejamento, alertou sobre os riscos de desmonte do RJU por meio de propostas de flexibilização que comprometem a estabilidade, a igualdade de tratamento e a eficiência na prestação dos serviços públicos. Em sua análise, destacou que o RJU representa um pilar da profissionalização do Estado e da meritocracia por meio do concurso público. “O fim desse regime impactará diretamente a sociedade, que dependerá de um serviço público precarizado e instável”, afirmou.
Silva também abordou a fragilidade dos Regimes Próprios de Previdência Social, ressaltando que a relação ideal de três servidores ativos para cada aposentado está ameaçada, o que pode levar a uma migração indesejada para o Regime Geral, aprofundando a crise do sistema.
Novo Fundeb: instrumento de valorização e justiça educacional
A professora Sara Santana, presidenta do Conselho Municipal de Educação de Guarulhos, destacou a importância do novo Fundeb como ferramenta de valorização dos profissionais da educação e de financiamento da educação básica com justiça social. Apontou avanços, como a ampliação da complementação da União e a exigência de destinação de 70% dos recursos à remuneração de todos os profissionais da educação, e chamou atenção para a importância do controle social e da atuação sindical nos conselhos do Fundeb.
“Sem mobilização e fiscalização, os recursos não se traduzem em melhoria concreta da qualidade educacional”, advertiu.
Negociação coletiva e transparência orçamentária
O economista Lucas Colucio, do Dieese, defendeu o fortalecimento da negociação coletiva no setor público, enfatizando a necessidade de capacitação dos representantes sindicais em temas como orçamento público e estrutura administrativa. “Conhecimento técnico e mobilização política são ferramentas complementares na conquista de avanços salariais e na melhoria das condições de trabalho”, destacou.
Colucio explicou o papel das leis orçamentárias – PPA, LDO e LOA – na definição das possibilidades de negociação e defendeu a institucionalização de mesas permanentes de diálogo com os governos, a exemplo da experiência federal.
Inteligência Artificial: entre o avanço tecnológico e os riscos sociais
A socióloga Camila Yuri Santana Ikuta, pesquisadora do Dieese, refletiu sobre os impactos da inteligência artificial no mundo do trabalho, especialmente no serviço público. A palestrante destacou que a IA pode trazer ganhos de eficiência, mas sem regulamentação adequada, pode resultar em precarização e substituição de trabalhadores. “É urgente que os servidores sejam protagonistas desse debate”, afirmou.
Camila alertou para os efeitos desiguais da automação, que tende a afetar de maneira mais aguda mulheres e trabalhadores com formação superior, e ressaltou a necessidade de controle social sobre algoritmos e tecnologias utilizadas pela administração pública. “A inteligência artificial não deve ser tratada como ameaça inevitável, mas como ferramenta a ser apropriada pelo coletivo com critérios éticos e sociais”, concluiu.
Encerramento: unidade e resistência democrática
Encerrando o seminário, o vice-presidente da CSPB, Lineu Mazano, conclamou os servidores à unidade em defesa da democracia e dos direitos duramente conquistados. “Vivemos tempos de ataques à ordem democrática e às políticas públicas. O enfrentamento à PEC 32 e a projetos autoritários exige organização e consciência política por parte dos trabalhadores do setor público”, declarou.
Mazano alertou sobre o avanço de forças antidemocráticas que buscam enfraquecer o papel do Estado como garantidor de direitos sociais. “Nosso desafio é, ao mesmo tempo, resistir ao desmonte e construir alternativas que fortaleçam um Estado justo, eficiente e comprometido com a cidadania”, finalizou.
O seminário reafirmou o compromisso das entidades promotoras com a valorização do funcionalismo público, a resistência a retrocessos e a construção de um sindicalismo forte, articulado e preparado para os desafios do presente e do futuro.