Por Jow Oliveira – Diretor de Comunicação SSPMI
O avanço acelerado da inteligência artificial (IA) está remodelando o mundo do trabalho, impondo desafios complexos à sociedade e ao setor público. A socióloga Camila Yuri Santana Ikuta, pesquisadora do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), lançou um olhar crítico sobre esses impactos durante sua recente palestra sobre IA e o emprego público (assista AQUI), apontando tanto as oportunidades quanto os perigos que essa tecnologia representa.
Segundo Ikuta, a IA, ao simular capacidades humanas como raciocínio lógico, linguagem e criatividade por meio da análise de dados e padrões, vem sendo incorporada silenciosamente ao cotidiano social e institucional. "Já convivemos com essas tecnologias há décadas, como em ferramentas de busca e assistentes virtuais. O ChatGPT, por exemplo, é um ‘Google mais poderoso’", afirmou a socióloga, referindo-se à crescente sofisticação dos sistemas de linguagem natural.
No entanto, a especialista alertou para os riscos sociais e laborais da adoção desenfreada da IA, especialmente no setor público. A ausência de regulamentação adequada pode levar à substituição de servidores por máquinas, intensificando a precarização das relações de trabalho. “A tecnologia pode otimizar serviços, mas sem regulamentação, pode substituir trabalhadores e ampliar a precarização. É preciso incluir os servidores nessa discussão para que a automação não signifique demissões”, frisou.
Dados recentes da Organização Internacional do Trabalho (OIT) reforçam a preocupação: estima-se que mais de 300 milhões de empregos em tempo integral podem ser automatizados globalmente nos próximos anos. No Brasil, estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) projeta que cerca de 60% das ocupações formais têm potencial de automação parcial ou total — e isso inclui áreas tradicionalmente ligadas ao funcionalismo público.
Ikuta também chamou atenção para a desigualdade dos impactos. Mulheres, especialmente as com ensino superior, estão entre as mais vulneráveis à substituição tecnológica, conforme estudos recentes do próprio Dieese. “Essa realidade impõe ao movimento sindical um papel central na defesa de direitos, na negociação coletiva e na construção de uma agenda voltada ao uso ético da IA”, declarou.
O exemplo do Judiciário brasileiro, que já utiliza sistemas baseados em IA para acelerar o trâmite de processos, como o sistema Victor no Supremo Tribunal Federal (STF), ilustra como a tecnologia está sendo incorporada às rotinas do setor público. Contudo, a pesquisadora ressalta que a agilidade não pode ser alcançada às custas de empregos e da qualidade do serviço.
“Não se trata de adotar uma visão catastrófica”, ponderou Ikuta. “A IA vai avançar. A questão é como ela será utilizada: se como ferramenta de exclusão ou de empoderamento.” Para tanto, defende a adoção de marcos regulatórios que assegurem transparência algorítmica, responsabilização de desenvolvedores e garantias trabalhistas, impedindo que a automação amplie desigualdades.
Ao final de sua fala, a socióloga reiterou a necessidade de que sindicatos e servidores públicos estejam na linha de frente desse debate. “O movimento sindical precisa estar atento para garantir que a automação não signifique o aumento da carga de trabalho ou a eliminação de postos. O futuro do trabalho será digital — mas deve ser também justo, inclusivo e humano.”